quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Entrevista: Marcos Coimbra
Marcos Coimbra, da Vox Populi, analisa a corrida para a presidência da republica e para o governo de Minas; a influência de Lula e de Aécio; a disputa pelo senado; a representação na Câmara e nas Assembléias; a reforma política; o voto distrital; o voto eletrônico; o voto dos menores de 18 anos; a participação das igrejas na política, a mulher governando; a Lei da Ficha Limpa e o preço das campanhas eleitorais, dentre outros temas.
O jornalista Flávio Penna entrevistou o sociólogo Marcos Coimbra presidente do Instituto de Pesquisas Vox Populi, para a edição da revista Viver Brasil, de 20 de julho de 2010. Abaixo, a integra da entrevista:
Voto a voto em Minas
O diretor do Instituto Vox Populi, Marcos Coimbra, afirma que a eleição do novo governador de MG será muito apertada, mas que, em nível nacional, a candidata de Lula deve vencer ainda no primeiro turno. Marcos Coimbra é considerado um dos papas da análise política e das pesquisas eleitorais não apenas no Brasil, mas em vários países da América Latina e da África. Desde 1987 dirige a Vox Populi e, por sua experiência, se arrisca a dizer que a eleição presidencial deste ano está praticamente decidida, e no primeiro turno.
Já a sucessão mineira ainda está aberta. Coimbra acha que muita coisa precisa ser mudada na política brasileira, mas considera que desde 1989 a qualidade do eleitor melhorou muito. Nesta entrevista ele revela um pouco do que pensa sobre nossa política e sobre o pouco interesse do jovem para o assunto.
A Campanha na TV
- Qual é o quadro das eleições nacional e da sucessão em Minas?
Estamos entrando numa fase em que finalmente, a partir do dia 16 de agosto, a campanha chega à televisão e, através das inserções dos comerciais, de manhã, de tarde e de noite, atinge todo mundo que está diante do aparelho.
Como quase 100% do eleitorado vê televisão, mesmo as pessoas com baixíssimo interesse em eleições, verão quem é a candidata do Lula, quem é o José Serra. As pesquisas até aqui foram feitas antes da campanha de televisão se iniciar, mas mesmo assim se percebe que temos uma candidatura com amplo favoritismo, que é a da Dilma, que é a continuidade do Lula. Como o povo gosta dele e está satisfeito com o governo dele, sua candidata acaba beneficiada. Ela deve vencer no primeiro turno.
No plano estadual, em Minas, temos uma eleição muito menos definida. As pessoas ainda estão muito menos motivadas. O nível de conhecimento do candidato Antonio Anastasia, que certamente ainda tem muito a crescer, é baixíssimo. O Hélio Costa é um político que tem uma imagem muito pouco estruturada para a maioria das pessoas. Elas sabem que ele existe, pois já disputou três eleições majoritárias, têm uma vaga noção de sua biografia, mas muita gente sabe que ele foi ministro.
Eleições em Minas
- Se considerarmos os dois turnos das eleições para governador, foram cinco as eleições majoritárias que Hélio Costa disputou. O nível de conhecimento dele seria então recall?
Mas é um recall sem muito conteúdo. O José Serra, por exemplo, já disputou um primeiro e segundo turno de uma eleição presidencial, tem recall, mas tem conteúdo também. As pessoas sabem quem ele é, o que pensa. Diferente do Hélio Costa que, mesmo em Minas Gerais, é muito pouco conhecido. É um nome conhecido, mas com conteúdo pouco formulado.
Isto estabelece um cenário de uma eleição muito menos previsível. Um tem muito por onde crescer, apoiado na boa imagem de Aécio. O outro tem por onde crescer por ser um político conhecido, que disputa eleições há mais de vinte anos e que ninguém tem nada a falar mal dele. Além disto, tem o apoio do presidente Lula, o que faz com que se possa prever uma eleição muito competitiva.
Segundo turno
- Se a decisão da sucessão presidencial acontecer no primeiro turno, qual será a influência sobre as disputas estaduais que forem para o segundo turno?
Não tem influência grande não. Nós já tivemos experiência com Fernando Henrique em 1994 e 1998 e isto não fez com que ele se dedicasse mais ou menos nos estados onde a disputa foi para o segundo turno. Em Minas, por exemplo, a eleição foi para o segundo turno entre Eduardo Azeredo e Hélio Costa e ele não veio para cá fazer campanha. E se viesse, acredito que não teria muita influência.
Existe um pensamento em parte do eleitorado de que é bom que o governador seja próximo do presidente. Mas este certamente não é critério para que alguém deixe de votar num candidato em que votou no primeiro turno. Tem gente que diz que o eleitor tem uma sabedoria que é de não colocar todos os ovos numa mesma cesta.
Influência de Lula e Aécio
- Entre Lula e Aécio quem influencia mais na sucessão estadual?
Existe um certo consenso na literatura de que a transferência se dá mais horizontalmente do que verticalmente. O presidente influencia mais na eleição presidencial, menos na eleição de governador e menos ainda na eleição de prefeito. Então pode-se dizer que o governador tem uma influência maior na eleição de governador, o presidente na de presidente e o prefeito na de prefeito.
Eleições para o Senado
- E a eleição para senador?
As eleições para o Senado costumam se resolver com qualquer combinação de três fatores. Uma, muita notoriedade, como o caso do Hélio Costa que, quando disputou o Senado, vinha de outras eleições majoritárias em que se tornou conhecido.
O segundo é a mão no ombro quando alguém muito respeitado, muito querido, põe a mão no ombro do candidato e sai fazendo campanha com ele. Um exemplo é o senador Eliseu Resende que foi eleito com o integral apoio de Aécio Neves.
O terceiro caminho é muito dinheiro e muita sola de sapato. Dinheiro para poder se financiar durante um ano, para ter material para distribuir e se tornar conhecido. José Alencar é um exemplo do que estamos falando aqui. Já tinha disputado uma eleição para governador. Fez campanha para o Senado ao lado do Itamar Franco e não poupou investimento. Só o quanto de camiseta de José Alencar tinha pelo estado afora...
- Nove governadores deixaram seus cargos para disputarem o Senado. Lá é uma casa de ex-governadores?
O voto para o Senado quase sempre é, para o eleitor, uma espécie de chave de ouro de uma carreira política. É um lugar onde a presença de ex-governadores é muito comum, assim como de ex-presidentes, de pessoas que se distinguiram em seus estados. Isto tem muito a ver com o fato de a eleição para o Senado ser muito difícil.
É tão complicada como a eleição de um governador e o resultado é uma cadeira em Brasília, não é chefiar o Executivo. Penso que a safra de senadores que se elegerá este ano é melhor que a safra passada em qualidade média, representatividade e liderança.
Eleições legislativas
- Por que no Brasil todos se preocupam com eleição de presidente, governador e prefeito apenas e ninguém se preocupa com a composição do Legislativo?
Bem, tempos uma legislação que torna mais difícil ao eleitor a eleição de candidato a cargo proporcional. Temos um sistema de voto sem nenhuma base geográfica. Há muitos anos se discute o voto distrital, mas isto nunca foi adiante.
É muito provável que, se e quando formos fazer, alguma mudança na votação para a escolha de representantes no Legislativo vai acontecer. O modelo que temos não é bom. Ele dá muito valor a quem tem uma atuação local – ex-prefeito, pessoa que tenha alguma atuação numa determinada cidade – e há pouca influência do voto de opinião.
E é verdade que enquanto não facilitarmos para o eleitor o processo de escolha, ele vai ter muita dificuldade. Ele terá que se basear na indicação de parentes ou amigos, ter que confiar no que uma liderança de bairro aponta o que, muitas vezes, leva a esta perpetuação de lideranças de pouca representatividade.
A representatividade
- A representatividade na Câmara Federal tem legitimidade?
O Congresso brasileiro atravessa uma transição. Isto tem muito a ver com a relutância em promover mudanças numa legislação que não está mais funcionando. O que faz com que o Congresso tenha esta baixa representatividade, legitimidade, é o próprio sistema eleitoral.
Ele faz com que o eleitor vote hoje e amanhã nem se lembre mais em quem votou. Ele não fiscaliza, não acompanha e isto faz com que ele se sinta cada vez menos representado.
- Esta crise de representatividade ocorre também com as assembléias legislativas?
Nos legislativos, de uma forma geral, funciona a regra de quanto menos informado, mais mal avaliados. Nas assembléias há lideranças com maior visibilidade e isto traz melhor avaliação. Quem avalia mal é porque não sabe nada, não acompanha.
Reforma política
- Na sua avaliação, quais seriam as mudanças necessárias dentro de uma reforma política?
Eu acho que precisamos de um conjunto de mecanismos que assegure melhor acesso dos candidatos aos meios de comunicação. Nós trabalhamos com um marco regulatório de comunicação de massa que não é mais contemporâneo. Temos que estabelecer urgentemente regras de barreira para o funcionamento dos partidos políticos.
É visível que com 25 partidos como temos hoje, com as regras atuais de acesso aos meios de comunicação, é uma situação que não pode dar certo. É porque não temos regras definidas para que estes partidos funcionem, é que esta proliferação normalmente encobre negócios, seja políticos, seja de tráfego de influência, ligados a estas legendas que não têm nenhum significado. A verdade é que o sistema eleitoral brasileiro não é bom. É preciso pensar num modelo de voto distrital ou distrital misto.
Voto distrital e voto eletrônico
- Mas o voto distrital não acaba com o voto ideológico?
É por isso que o modelo alemão funciona, com metade escolhida pelo voto distrital e a outra metade pelo voto nominal. Mas, agora, funciona com partidos representativos. No Brasil, pensar em voto em lista fechada é muito prematuro.
- O voto eletrônico melhorou nossa política?
Melhorou a confiança do eleitorado, o que é muito importante para a consolidação de nossas estruturas. Hoje ninguém mais fala que a urna dorme de um jeito e acorda de outro. Ninguém mais fala em mesário surpreendido fazendo coisa errada. O voto eletrônico tem a confiabilidade do brasileiro e isto aparece em pesquisas.
A mulher governando
- Lula e a própria Dilma falam que o Brasil está preparado para ser governado por uma mulher. Em algum momento não estivemos preparados?
Paradoxalmente, entre as mulheres existe um sentimento de que não. De que mulheres não são adequadas para o exercício de determinadas funções. Isto é uma realidade de nossa cultura. Faz pouco tempo que começamos a desenvolver uma cultura de menos exclusão da mulher de determinados cargos, funções e papéis na sociedade.
Agora, também é verdade que uma das razões de não ter havido até agora uma mulher com condições efetivas de vencer uma disputa, não é porque o eleitor não queria. Era a política que não oferecia. Agora está acontecendo que a desproporção é contra os homens. São duas mulheres contra um homem.
Voto facultativo a partir de 16 anos
A concessão do voto ao menor de 18 anos mudou algo na política?
A participação dos muito jovens na política vem caindo a cada eleição. O marco foi nas eleições de 1989, quando tivemos um registro bastante significativo. A cultura do jovem, em comparação com alguns anos atrás, é de uma menor valorização dos aspectos da vida em sociedade. Eles estão a cada dia pensando mais em suas carreiras, em suas perspectivas de sucesso e cada vez menos em valores coletivos, comunitários.
Existe um programa neste momento de nossa vida, como cultura e como sociedade. Seria salutar se a juventude encontrasse uma certa disposição de ir à luta, de participar da discussão e da vida política. Olhando como funcionava a vida política brasileira há vinte, trinta anos, vê-se que existe uma enorme diferença no interesse do jovem em participar.
As igrejas na atividade política
E a crescente participação de igrejas na atividade política?
Eu não conheço estatísticas recentes, mas houve realmente um período de crescimento das bancadas, especialmente das novas igrejas, mas, ao que parece a fase de crescimento passou e hoje há uma estabilidade.
Nada indica que haverá, nesta ou nas próximas eleições, aumento muito grande destas bancadas. Também as religiões evangélicas, que têm maior participação política, não têm crescimento ilimitado.
Elas já atingiram um terço da população. Se considerarmos que um terço do eleitorado brasileiro é evangélico ou convive em famílias evangélicas, a bancada evangélica não é, em termos relativos, tão grande.
Ela é ativa, organizada, mas não tão grande, o que sinaliza que o eleitor evangélico não privilegia alguém da igreja na hora de votar. Se não fosse assim, teríamos pelo menos um terço do Congresso formado por evangélicos, o que não acontece.
O preço de uma campanha eleitoral
Por que a eleição é tão cara?
É cara porque temos um mercado inflacionado neste curto período das eleições. Nós temos eleições muito mais caras do que nos países vizinhos. O mesmo profissional que trabalha no Brasil nos anos pares, e vão trabalhar em outros países, como na Argentina, em anos ímpares, recebe menos. Tudo é mais barato. Nós temos um custo político muito inchado no Brasil. Talvez se tivéssemos o financiamento público, haveria um maior nivelamento das campanhas e os custos fossem reduzidos.
Compra de votos e a Ficha Limpa
Ainda há compra de votos?
Esta prática realmente existiu, mas eu creio que não existe mais. As últimas decisões dos tribunais eleitorais, cassando mandatos de governadores acusados de uso da máquina pública e abuso de poder econômico, certamente já estão produzindo efeitos.
Ficha limpa?
Ela tem caráter duplamente positivo. Devolve ao cidadão a ideia de que ele pode intervir. Não é assim uma campanha pelas diretas, mas é uma pequena retomada de um sentimento de que cada um pode fazer mais do que apenas ir lá e teclar um número. O outro aspecto positivo é que tivemos um avançou importante no nosso sistema político.
Mudanças na política
De quando você começou a trabalhar com pesquisa para cá, mudou muito a política?
Eu comecei a trabalhar com pesquisa em 1987 e de lá para cá mudou, e mudou muito. Mudou o eleitor, mudou o político e mudou o negócio de eleição. Se compararmos, por exemplo, o eleitor da eleição de Collor, em 1989, o de hoje é muito mais maduro, tem o dobro da escolaridade e é muito mais feminino.
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